Há fios que não se veem, mas que costuram tudo o que somos e vivemos. No Bosque, esses fios são feitos de afetos, escutas, intencionalidades e esperas. Eles atravessam o tempo da infância com delicadeza, sem pressa, sustentando os encontros, os vínculos e as descobertas que fazem da escola um lugar vivo, potente e profundamente humano.
Escrever sobre o Bosque é como revisitar cada passo de um percurso tecido a muitas mãos. É reconhecer que, mais do que um espaço físico, somos um corpo coletivo em constante movimento, um organismo vivo que pulsa conforme as relações acontecem. Cada olhar atento, cada gesto de cuidado, cada escuta contribui para a construção dessa história que se reinventa todos os dias.
A escola nasceu do desejo profundo de acolher a infância em sua totalidade, reconhecendo-a como um tempo sagrado, repleto de linguagens e possibilidades. Nosso caminhar é sustentado por uma escolha ética e pedagógica: oferecer uma educação que respeita o tempo da criança, que confia em sua potência investigativa e que compreende o cotidiano como território fértil de aprendizagens.
Como nos lembra Loris Malaguzzi, “a criança tem cem linguagens… cem mãos, cem pensamentos, cem modos de pensar, de jogar e de falar.” No Bosque, esse pensamento é semente e raiz. Acreditamos que cada criança chega trazendo sua forma única de ser no mundo e que nossa tarefa como educadores é escutar essas vozes, cultivá-las, ampliá-las, e sobretudo, não silenciá-las com nossas urgências adultas.
Este capítulo é um convite para atravessar conosco alguns fios dessa história. Fios tecidos entre crianças, professores, famílias e espaços. Fios que desenham uma rede de afeto e intencionalidade, onde o tempo, o brincar, a escuta e as transições cotidianas revelam sua verdadeira potência formadora.
Assim como no livro Enquanto Ana Espera, que inspira nosso tema anual, acreditamos na beleza que existe no intervalo entre o que acontece e o que está por vir. A verdadeira aprendizagem, para nós, nasce desse intervalo, desse olhar sensível para o presente, desse encantamento com o agora.
E é nesse agora, no presente cheio de vida e possibilidades que seguimos tecendo conexões.
A IDENTIDADE DO BOSQUE:
UM ORGANISMO VIVO EM MOVIMENTO.
S e no início falamos de fios invisíveis que costuram o cotidiano, agora olhamos para o tecido que se forma a partir deles. O Bosque da Corujinha é, em sua essência, um território de construção contínua, onde a identidade institucional se tece todos os dias, nos gestos simples, nas decisões coletivas, nas escutas diárias e nas escolhas pedagógicas que afirmam, com clareza, o compromisso com a infância viva, potente e respeitada.
Nos reconhecemos como um organismo vivo, que respira, pulsa e se transforma sem perder sua essência. Uma escola que evolui em diálogo com os tempos, com as famílias, com as crianças e com os educadores que a habitam. Uma escola que escuta as perguntas da infância e responde com presença, com cuidado e com ética.
Nossa missão, como se lê nos princípios institucionais, é garantir que cada criança viva experiências significativas que promovam sua autonomia, pensamento crítico, desenvolvimento socioemocional e um vínculo positivo com a aprendizagem. Esses pilares não são apenas palavras: eles se tornam concretos quando uma educadora se ajoelha para escutar um relato de brincadeira; quando os espaços são reorganizados para acolher uma nova curiosidade; quando a troca de fraldas é também um encontro de cuidado e escuta; quando o silêncio é respeitado como forma de expressão.
A essência do Bosque não se impõe: ela se revela. Revela-se na escuta que não interrompe, na espera que respeita, no gesto que acolhe. Revela-se em um modo de viver a infância como direito e não como preparação. Como nos ensina Emmi Pikler, “tudo o que fazemos com a criança tem que respeitar a sua dignidade. Desde a forma como a tocamos até a forma como a olhamos.” Essa dignidade, no Bosque, é reconhecida e honrada em todos os momentos, inclusive naqueles considerados ‘pequenos’ pelo olhar adulto.
Acreditamos que brincar e interagir são mais do que eixos metodológicos: são expressões fundamentais da cultura da infância. No brincar, a criança organiza o mundo, experimenta possibilidades, reinventa sentidos. E no interagir, constrói-se como sujeito de direitos, em relação com o outro e com o ambiente. Por isso, nossos espaços são preparados com intencionalidade, abertos à escuta do grupo, e em constante reconfiguração, não por modismo, mas por coerência com a criança real que os habita.
Como nos provoca Loris Malaguzzi, “nada sem alegria”. Essa afirmação, que ecoa como um mantra na pedagogia de Reggio Emilia, encontra no Bosque sua materialidade. Aqui, o aprendizado não é dissociado do afeto, da beleza, do vínculo. Aprender é também se encantar. E encantar-se é estar em estado de presença.
A escola que sonhamos e que construímos todos os dias é aquela que compreende a criança como protagonista da sua própria história, mas que também entende que ninguém cresce sozinho. A infância se desenha no coletivo, na rede de relações, na confiança mútua. Por isso, nossa identidade institucional valoriza tanto o vínculo com as famílias quanto o fortalecimento dos profissionais que aqui atuam. São eles que, com seus olhares atentos, traduzem a missão da escola em prática viva.
Nesse contexto, a identidade do Bosque se reafirma como uma prática em movimento, mas nunca desorientada. Cada decisão, cada escolha pedagógica, cada reorganização do espaço ou do tempo é feita a partir de princípios sólidos, construídos ao longo de anos de escuta, estudo, reflexão e amor à infância.
E assim seguimos: atentos ao presente, fiéis à nossa essência, abertos ao novo. Tecendo conexões entre passado, presente e futuro, sempre com as crianças no centro, como fios condutores de tudo aquilo que realmente importa.
QUANDO OS OLHARES SE ENCONTRAM:
A FORÇA DAS RELAÇÕES.
No Bosque, acreditamos que toda aprendizagem começa no encontro, o encontro entre olhares, entre mãos que se estendem, entre palavras que se demoram, entre silêncios que escutam. É nesse território relacional que a criança se forma como sujeito, se reconhece, se afirma e se transforma. Por isso, tecer conexões não é um gesto adicional à prática pedagógica: é o próprio coração da escola.
O tema anual que nos atravessa em 2025 “Tecendo conexões: o encontro entre olhares, afetos e descobertas” não é um enfeite poético: ele é tradução fiel daquilo que vivemos cotidianamente. E é nesses encontros, muitas vezes silenciosos, nos gestos que parecem pequenos, que está a verdadeira potência da educação infantil.
Para Loris Malaguzzi, “a educação é uma trama de relações.” E é justamente nessas tramas, que se estendem entre criança e criança, entre criança e educador, entre família e escola, que a experiência se torna significativa. Nenhuma proposta pedagógica é neutra quando se entende que toda ação educativa é também uma ação relacional. A forma como acolhemos uma dúvida, como escutamos um relato de brincadeira, como olhamos para uma mãe em sua insegurança ou para um colega em sua exaustão, tudo comunica algo. E tudo educa.
A criança pequena aprende por meio da relação. Lev Vygotsky já afirmava que “toda função no desenvolvimento cultural da criança aparece duas vezes: primeiro no nível social, e depois no nível individual.” A escola, então, precisa ser esse lugar onde o social não é só um agrupamento de corpos, mas um espaço de convivência, de afeto e de presença autêntica. Não é apenas sobre estar junto é sobre estar junto de verdade.
A escuta é uma das ferramentas mais poderosas que temos para construir esse espaço relacional. Escutar, no Bosque, é mais do que ouvir: é suspender o julgamento, é dar tempo, é permitir que a criança nos diga quem ela é, no ritmo que ela precisa. Como nos ensina Emmi Pikler, “é preciso tempo para conhecer uma criança. E esse tempo não é do relógio, é do vínculo.” Por isso, nossos professores não correm para ensinar, eles caminham junto. Cada vínculo é costurado com paciência e atenção, respeitando os tempos singulares de cada um.
As relações entre os educadores também sustentam a identidade do Bosque. Nenhuma criança é responsabilidade de uma única pessoa. Somos rede. Somos comunidade. E como toda rede, nossa força está nas conexões que fazemos entre nós: no planejamento coletivo, na escuta entre pares, na partilha dos desafios e das alegrias. A ética da colaboração está intrínseca em nosso fazer pedagógico, porque sabemos que só é possível sustentar uma infância potente quando há um adulto inteiro ao lado dela e nenhum adulto pode ser inteiro sozinho.
As famílias, por sua vez, não são vistas como visitantes, mas como parte constitutiva da escola. Cultivamos o vínculo com elas com respeito, transparência e presença. Sabemos que cada gesto da escola comunica uma visão de infância, e buscamos garantir que essa visão esteja sempre em sintonia com o que vivemos no cotidiano. Quando a confiança é estabelecida, a criança sente. E se sente segura para crescer.
Os espaços da escola, por fim, também participam dessas relações. Eles são preparados com intencionalidade, como ambientes que acolhem, escutam e provocam. Cada canto do Bosque guarda a marca das relações que ali aconteceram, uma pedra guardada como tesouro, uma almofada que embala um cochilo depois de um choro. Como diz Malaguzzi, “os espaços falam.” E os nossos falam com ternura.
Assim, ao olharmos para as relações como fios essenciais da nossa prática, reconhecemos que é no entrelaçar das experiências, dos afetos e das descobertas que a escola se torna verdadeiramente educativa. Cada olhar que se encontra é uma possibilidade de construção, de escuta, de cuidado e de aprendizagem. E é nesse terreno fértil, feito de gente, de tempo e de presença, que seguimos tecendo o Bosque, fio a fio, relação a relação.
OS MOMENTOS INVISÍVEIS QUE SUSTENTAM O VISÍVEL.
Quando pensamos nos tempos da escola, é fácil que nossa atenção se volte aos grandes eventos, às propostas planejadas, aos registros e às produções visíveis do cotidiano. No entanto, no Bosque, aprendemos com as crianças e com nossa escuta pedagógica que há um lugar silencioso e sagrado onde a educação realmente acontece: nos momentos invisíveis. São eles que sustentam, silenciosamente, todo o visível.
Falamos dos microtempos: da chegada que acolhe, do abraço que demora, da troca de fraldas feita com respeito, da hora da refeição que vira conversa, da espera antes de dormir, da despedida no portão. Esses momentos, muitas vezes chamados de “rotina” ou “transição”, carregam uma potência imensa. Eles não são intervalos da pedagogia, eles são a pedagogia em si.
Como nos ensina Emmi Pikler, “cada momento com a criança é uma oportunidade de relação. Trocar uma fralda não é apenas higiene, é presença. Vestir uma roupa não é apenas tarefa, é encontro.” Essa visão é um dos pilares do nosso fazer. Acreditamos que o cuidado é uma linguagem, e que nele se forma o vínculo mais profundo e duradouro com a criança.
Ao longo dos anos, compreendemos que esses microtempos não devem ser acelerados, regulados por pressa ou controlados pela produtividade. Eles pedem pausa. Pedem afeto. Pedem disponibilidade. Uma criança que chega à escola carrega mais do que uma mochila: ela traz sua noite, seus sentimentos, suas experiências anteriores. Quando respeitamos esse tempo de chegada como tempo de travessia, entre a casa e a escola, entre o colo da família e o colo coletivo, damos a ela o direito de se adaptar com dignidade.
Na hora da refeição, por exemplo, não vemos apenas a necessidade do saciar, colheres e pratos. Vemos relações. Vemos autonomia em formação, diálogo espontâneo, gestos de cuidado entre pares. Ali, a pedagogia se expressa na forma como sentamos juntos, no tom de voz usado para oferecer um alimento, na forma como respeitamos o tempo de cada um para aceitar ou recusar.
L oris Malaguzzi nos inspira ao afirmar que “a escola precisa estar sempre pronta para mudar. E mudar não significa ser inconstante, mas estar vivo.” No Bosque, essa mudança acontece quando reconhecemos que até mesmo o tempo de lavar as mãos pode ser um momento de observação e troca, quando organizamos o espaço do soninho de forma acolhedora, quando transformamos o horário da saída em um último grande encontro do dia, não apenas uma liberação, mas um ritual de despedida.
Esses microtempos também nos ensinam que a rotina não precisa ser rígida para ser segura. Pelo contrário: ela pode ser flexível, desde que coerente. A previsibilidade, para a criança, nasce da confiança no adulto e no ambiente, não da rigidez do cronômetro. No Bosque, buscamos construir uma rotina que acompanha o grupo, mas escuta o indivíduo, que organiza o dia, mas abre espaço para o imprevisto, para o novo, para o desejo.
Essa forma de viver o cotidiano é, antes de tudo, uma escolha ética. É escolher a presença ao invés da eficiência, a escuta ao invés do comando, a relação ao invés do controle. E é também um exercício de atenção: porque quem não está inteiro, não percebe. E quem não percebe, não educa.
Esses momentos invisíveis, tão preciosos e tão negligenciados são, na verdade, os alicerces do visível. São eles que constroem o vínculo, sustentam o pertencimento, favorecem a autonomia, e mantêm viva a conexão entre todos os que habitam o Bosque. Neles, não há glamour. Mas há verdade. E é nessa verdade, silenciosa e firme, que o dia a dia da escola se costura.
O PAPEL DAS LINGUAGENS NA CONSTRUÇÃO DE VÍNCULOS E CONHECIMENTO.
S e os vínculos se tecem no olhar e na presença, é pelas linguagens que eles se expressam, se aprofundam e se multiplicam. No Bosque da Corujinha, reconhecemos que a criança se comunica com o mundo desde o nascimento, muito antes da fala articulada e que cada gesto, cada expressão, cada pausa carrega um sentido que precisa ser escutado com sensibilidade.
A infância não fala apenas com palavras. Ela fala com o corpo, com o silêncio, com o olhar que se demora, com o movimento que se repete, com o choro que não é apenas tristeza, mas também chamado. Cada criança carrega em si um repertório singular de linguagens que precisa ser acolhido, reconhecido e ampliado. Como diz Loris Malaguzzi, “a criança tem cem linguagens, cem mãos, cem pensamentos, cem modos de pensar, de jogar, de falar.” E ele completa: “as cem existem, mas nos roubaram noventa e nove.”
NO BOSQUE, DECIDIMOS DEVOLVER ESSAS NOVENTA E NOVE.
Fazemos isso ao oferecer contextos ricos em possibilidades de expressão: pintura, argila, fios, sombras, água, terra, papel, tecidos, luz, música, fotografia, movimento, histórias e escuta. Cada proposta nasce da escuta atenta às crianças e não como uma resposta pronta, mas como uma provocação sensível para que elas se apropriem do mundo à sua maneira.
Essas linguagens não são apenas instrumentos para ilustrar um saber. Elas são o próprio caminho do saber. Quando uma criança manipula a argila, ela não apenas “brinca com barro” ela investiga, interpreta, se expressa, constrói hipóteses e sentidos. Quando ela se movimenta em um espaço aberto, ela está escrevendo com o corpo aquilo que talvez ainda não possa dizer com palavras.
Emmi Pikler nos ensina que “uma criança que é livre para se movimentar desenvolve não apenas habilidades motoras, mas também sua autonomia, sua autoconfiança e sua percepção de si no mundo.” Por isso, cada material, cada espaço, cada gesto nosso é carregado de intenção. Valorizamos a organização estética, a beleza dos ambientes, o cuidado na escolha dos materiais, não como enfeite, mas como linguagem de respeito.
As linguagens também são caminho para o vínculo. Quando sentamos ao lado de uma criança enquanto ela pinta, sem corrigir, sem apressar, apenas acompanhando, estamos dizendo: “o que você tem a dizer importa.” E esse é um dos gestos mais potentes da educação.
No Bosque, as produções das crianças não são vistas como “trabalhos” a serem entregues ou expostos. Elas são vestígios de pensamento. Carregam histórias, processos, emoções, dúvidas e descobertas. Por isso, valorizamos não apenas o resultado final, mas o caminho percorrido, os erros, os recomeços, os silêncios, as perguntas que surgem no meio do caminho.
E é assim que as linguagens também se tornam ponte entre a escola e a família. Quando uma família vê uma escultura feita com argila e elementos da natureza, ou uma pintura que foge do esperado, ela é convidada a enxergar além da estética tradicional: ela é convidada a ver ali um pensamento em construção, uma identidade emergente, uma voz que se afirma.
Reconhecer e ampliar as cem linguagens é também um gesto político. É afirmar que a infância não precisa ser moldada, mas escutada. Que cada criança tem o direito de ser autora do seu próprio percurso, de experimentar, de errar, de tentar de novo. É garantir que a escola seja um lugar onde o conhecimento nasce do diálogo entre experiências, afetos e expressões.
Nesse caminho, seguimos com o compromisso de manter vivos os fios invisíveis que ligam o gesto ao pensamento, o afeto à aprendizagem, o silêncio à escuta. Porque onde há linguagem, há vida. E onde há vida pulsando, há escola em sua forma mais bonita.
CAMINHOS EM REDE: O PAPEL DOS EDUCADORES NA CONSTRUÇÃO DA INFÂNCIA POTENTE.
Nenhuma escola se sustenta apenas em seus princípios escritos, por mais lindos que sejam. Ela se sustenta nas pessoas que os vivem todos os dias, nas decisões silenciosas, nos gestos atentos, nas escolhas éticas que acontecem quando ninguém está olhando. No Bosque da Corujinha, reconhecemos que o educador é a alma da escola. Não como aquele que detém o saber, mas como aquele que caminha junto, que escuta, que duvida, que acompanha, que acredita.
A infância potente que defendemos só é possível porque existe, ao lado das crianças, uma rede de adultos que olha com ternura e atua com coragem. Educadores que se colocam em relação, que não têm medo de aprender com os pequenos, que compreendem que o protagonismo da criança não anula, mas exige, um adulto presente, inteiro e afetuoso.
Como nos ensina Loris Malaguzzi, “quando dizemos que a criança é protagonista, não estamos dizendo que o adulto desaparece. O adulto permanece ali, forte e delicado, como alguém que sustenta, acompanha e provoca.” Essa delicadeza firme é uma marca dos nossos educadores. Eles não controlam, mas também não se ausentam. Eles sustentam com afeto, presença e escuta.
Ser educador no Bosque é reconhecer que se educa com o corpo inteiro. Com o tom de voz, com o silêncio que acolhe, com a disposição para sentar no chão, com a escolha de não apressar o choro, com o olhar que enxerga a singularidade por trás de cada comportamento. Ser educador aqui é tecer vínculos antes de propor conteúdos, é conhecer a criança antes de planejar uma atividade, é perguntar mais do que afirmar.
E isso exige formação constante, mas uma formação que vai além dos cursos e certificações. Exige uma formação humana, feita no coletivo, na escuta entre pares, na troca de experiências, no reconhecimento das próprias limitações. No Bosque, temos a clareza de que ninguém educa sozinho. Somos rede. E essa rede é feita de confiança, generosidade e cuidado.
Emmi Pikler nos lembra que “o adulto que cuida precisa estar ele mesmo cuidado.” Por isso, valorizamos os espaços de escuta entre a equipe, os momentos de partilha e reflexão, os diálogos que sustentam a prática com coerência e afeto. Não acreditamos em professores que apenas executam planejamentos: acreditamos em professores que se sentem parte de um propósito, de um projeto que pulsa.
Também compreendemos que a postura do educador é linguagem viva para a criança. Ela aprende a partir daquilo que vê, sente e vivencia. Quando o adulto se posiciona com respeito, quando lida com os conflitos com firmeza e ternura, quando se permite errar e aprender junto, ele ensina muito mais do que qualquer proposta poderia ensinar.
Nosso compromisso é que cada educador do Bosque sinta-se pertencente, reconhecido e apoiado para ser quem ele é e também para se tornar quem deseja ser. Não esperamos perfeição, mas presença. Não buscamos fórmulas, mas escuta. A escola se constrói todos os dias também a partir das histórias, das sensibilidades e das intuições dos educadores que aqui caminham.
No Bosque, acreditamos que educar é também um ato de fé. Fé no tempo das coisas, na força das relações, no poder transformador da infância. Fé de que é possível construir, com delicadeza e firmeza, um cotidiano que respeita, acolhe e amplia.
E se a infância é feita de caminhos, o educador é aquele que ajuda a iluminar sem ofuscar, a guiar sem controlar, a sustentar sem prender. Ele é parte do fio. Ele é parte do encontro. Ele é parte do milagre cotidiano de crescer junto.
QUANDO A ESCOLA SE TORNA UM NINHO.
Depois de percorrermos os fios que tecem a identidade do Bosque da Corujinha, os vínculos, os olhares, os gestos, as linguagens, os tempos e os encontros é impossível não reconhecer que a escola, mais do que um lugar de aprendizagem, é também um ninho.
Um ninho não é o lugar onde se permanece para sempre. É o lugar onde se aprende a voar.
No Bosque, acreditamos que uma escola de educação infantil precisa acolher como um colo e também abrir como uma janela. Precisa ser presença firme, mas também vento leve. Precisa ser raiz que sustenta e, ao mesmo tempo, galho que convida ao movimento. Porque a criança precisa de ambos: segurança e liberdade, estrutura e encantamento, rotina e descoberta.
E para que esse ninho exista, é preciso que cada parte da escola reconheça a si mesma como corresponsável. O ninho não se constrói sozinho. Ele é tecido em rede, em escuta, em presença. Cada adulto que atravessa o cotidiano das crianças, professores, coordenadores, auxiliares, cozinheiras, famílias, contribui para a qualidade do acolhimento e da relação. Cada gesto conta. Cada palavra deixa rastro. Cada silêncio também educa.
Como nos diz Loris Malaguzzi, “a escola não é feita de paredes, mas de pessoas e relações.” E é nesse tecido humano, vivo, que o Bosque encontrou seu caminho. Não há receita, não há modelo pronto. Há ética, há sensibilidade, há estudo e há compromisso. O compromisso de garantir que a infância seja respeitada em sua essência, que a criança seja vista como sujeito de direitos, e que a escola não funcione à revelia da vida, mas que seja, ela mesma, um pedaço bonito da vida de cada um.
Ao longo deste capítulo, tentamos nomear o invisível. Dar forma às intenções. Oferecer palavras aos silêncios. Mas sabemos que muito do que acontece no Bosque não se traduz em gráficos. Porque o que mais nos importa é aquilo que se sente. E sentir é a linguagem mais humana que existe.
Emmi Pikler, com sua delicadeza firme, nos ensina: “o mais importante não é fazer tudo certo, mas estar verdadeiramente com a criança.” E talvez seja isso o que desejamos deixar como última palavra aqui: que a verdadeira qualidade da escola não está apenas no que ela oferece, mas na forma como ela se faz presença real na vida das crianças.
O Bosque é ninho porque é morada de afetos, campo fértil de descobertas e travessia segura para o mundo. É lugar onde a criança pode ser o que é e, ao mesmo tempo, ensaiar o que ainda vai se tornar. E é também ninho para quem educa, porque ninguém cresce sozinho, nem as crianças, nem os adultos.
E ncerramos este fio com a certeza de que seguimos costurando, todos os dias, com as mãos e com o coração. Seguimos aprendendo com as crianças, com as famílias, com os encontros e desencontros que compõem esse viver coletivo. E seguimos acreditando que uma escola só é verdadeiramente educativa quando é, antes de tudo, profundamente humana.
Porque quando a escola se torna um ninho…
O voo deixa de ser risco e passa a ser possibilidade.
Janaína Cabral


